domingo, 28 de setembro de 2014

O apetite da Minerva

Terceiro maior frigorífico do País une-se à BRF, líder no mercado de alimentos processados, e ganha musculatura para enfrentar a marfrig e o JBS

Por: Rodrigo Caetano



Carne de primeira: o presidente Fernando Galletti de Queiroz aposta na eficiência e no rebanho sul-americano para ganhar mercado
Carne de primeira: o presidente Fernando Galletti de Queiroz aposta na eficiência e no rebanho sul-americano para ganhar mercado ( foto: THIAGO BERNARDES/FRAME)



Para o empresário Fernando Galletti de Queiroz, presidente da Minerva Foods, terceira maior processadora de carne bovina brasileira, uma coisa é certa: se o negócio de sua empresa é produzir proteína animal, não há lugar melhor para estar do que a América do Sul. Segundo ele, todos os grandes exportadores mundiais estão enfrentando problemas. “Os Estados Unidos estão com o menor rebanho em 60 anos e a Austrália tem sérios problemas de mão de obra”, afirma Queiroz, numa referência aos maiores competidores do Brasil nesse mercado.
Ele acredita, ainda, que o cenário não deve mudar em menos de uma década, posição que é avalizada por muitos analistas de mercado. “As perspectivas para a indústria de carne bovina são muito positivas e o Brasil vai se beneficiar de uma forte demanda, tanto externa quanto interna”, diz Albert Vernooij, analista do banco holandês Rabobank. “Mesmo que a oferta cresça, os preços devem se manter firmes.” Caso as previsões estejam corretas, a Minerva estará, realmente, em uma posição privilegiada. Todos os seus ativos estão concentrados no chamado Cone Sul.
Além do Brasil, o frigorífico opera no Uruguai e no Paraguai. Queiroz espera ampliar a presença no continente, mirando, especialmente, a Colômbia, hoje dona do terceiro maior rebanho da região, atrás apenas do Brasil, líder mundial, com 208 milhões de cabeças de gado, e da Argentina. No início deste mês, o empresário ganhou mais um motivo para ficar otimista. O Cade aprovou, com restrições, a compra da Newco, divisão de bovinos da BRF, negócio fechado em novembro do ano passado. Pelo acordo, a Minerva assume as duas unidades de processamento da companhia de alimentos que, em troca, ficará com 15,2% do seu capital.
Com isso, a BRF passa a ser a segunda maior acionista da Minerva, atrás apenas da família controladora, e ganhará duas cadeiras no conselho. A aquisição aumenta em 20% a capacidade de abate da Minerva, hoje na casa de 15,8 mil cabeças de gado por dia, o que deve representar um acréscimo de R$ 1 bilhão no faturamento, que bateu na casa dos R$ 5,45 bilhões no ano passado. Mas os efeitos da transação não se resumem aos eventuais ganhos de curto prazo. Ela atende a anseios estratégicos tanto da BRF, que vem se desfazendo de ativos desde que o empresário Abilio Diniz assumiu a presidência do Conselho, em abril do ano passado, quanto da Minerva, cujo foco sempre foi o mercado de carne bovina.
Na verdade, a empresa possui uma divisão de alimentos prontos, a MFF, que representa cerca de 3% do faturamento. O Cade, no entanto, condicionou a aprovação do negócio com a BRF ao desmembramento da unidade. Segundo Queiroz, as estratégias das duas empresas são convergentes. Elas vinham procurando criar uma cadeia de produção, na qual cada empresa se preocupa apenas com o que faz melhor. “Já estávamos conversando com o pessoal da BRF e chegamos à conclusão de que existem muitas oportunidades conjuntas”, afirma. Mas há um motivo ainda mais forte para a formação dessa aliança: fazer frente ao JBS, maior empresa de proteína animal do mundo e principal competidor das duas parceiras.
O frigorífico comandado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista é de longe o número 1 do setor de atuação da Minerva, seguido pela Marfrig. Agora, está apostando todas as suas fichas no mercado de alimentos processados, incomodando, cada vez mais, a BRF. Para a BRF, repassar a Newco para a Minerva foi uma maneira bem-sucedida de resolver a situação de sua divisão de bovinos, que não vinha apresentando bom desempenho.Não se trata de um negócio isolado. Desde que seu grupo assumiu o controle e a presidência do conselho da empresa, Diniz vem procurando se desfazer de ativos que não fazem parte de seu core business.
Ao mesmo tempo, ao garantir uma participação societária na Minerva, a empresa não precisa abandonar um setor estratégico, como o de carne bovina, garantindo matéria-prima para algumas linhas de produtos, como a de hambúrgueres. O alinhamento entre as duas parceiras, na verdade, é maior do que parece. Edison Ticle, diretor-financeiro da Minerva, lembra que Sérgio Fonseca, atual presidente da BRF Brasil, foi conselheiro do frigorífico. Apenas se unir, no entanto, não será suficiente para garantir igualdade de forças com o JBS, cujo faturamento, de R$ 92,9 bilhões no ano passado, é quase três vezes maior do que a receita da Minerva e a da BRF somadas.
Para fazer frente ao gigante, Queiroz aposta na eficiência. “Nosso negócio é gado, não fazemos outra coisa”, diz o CEO. Antes de assumir o negócio, com apenas 24 anos, em 1992, Queiroz trabalhava como executivo da Cargill, onde conheceu as peculiaridades do mercado de grãos. Foi inspirado nas grandes empresas de commodities que ele desenvolveu o modelo de atuação da Minerva. Sua grande tacada se chama Beef Desk, uma mesa de negociação de bovinos, que entra em operação todas as manhãs. Nela, os executivos da Minerva determinam onde comprar e abater os animais e para quem vender a carne.
Atualmente, mais de 80% da produção é exportada. Seus principais mercados são o Oriente Médio, a Rússia e a África. Embora esse número possa indicar uma dependência excessiva do mercado internacional, ele traz uma vantagem, de acordo com Queiroz, no preço da carne. “Os países europeus, por exemplo, demandam mais qualidade e pagam por isso”, afirma. Buscar os mercados que pagam melhor, aliás, é outra ideia trazida pelo executivo da Cargill. “Não há um setor tão eficiente em termos de estratégia de preços quanto o de grãos”, diz. A união com a BRF deve ajudar a Minerva, ainda, a recuperar a rentabilidade.
No ano passado, o prejuízo líquido registrado pela empresa, de
R$ 314,3 milhões, foi 58% maior do que o verificado em 2012. Já neste ano, a última linha do balanço ficou em azul nos dois primeiros trimestres, com lucros de R$ 69,1 milhões e R$ 18,5 milhões, respectivamente. O endividamento aumentou no segundo trimestre deste ano, passando de 3,31 vezes o ebitda (medida de geração de caixa), no mesmo período do ano passado, para 3,43. Segundo o diretor-financeiro Edison Ticle, no entanto, a dívida ainda se encontra em um patamar aceitável. “É preciso considerar os efeitos das aquisições que fizemos”, afirma o executivo. “Nos próximos trimestres a relação dívida/ebitda deve voltar ao patamar de 2,8 vezes que tínhamos em 2012.”
Hoje, o endividamento da Minerva é maior do que o do JBS (3,1 vezes). Mesmo assim, os papéis do frigorífico vêm apresentando um bom desempenho. Cotadas a R$ 13,01, no pregão da quinta-feira 25, as ações da Minerva cresceram 15% neste ano. Nos últimos três anos, o preço dos papéis mais do que dobrou. No campo, Queiroz se orgulha de manter uma operação profissional. Todos os anos, o frigorífico realiza um tour com seus acionistas pelas instalações da empresa em Barretos, no interior de São Paulo. O passeio inclui uma visita ao matadouro. Alguns convidados, é verdade, não se sentem bem ao testemunhar o abate do gado. Mas a intenção é, justamente, desmistificar a crueldade do ato.
A preocupação com bem-estar dos animais, mesmo no momento do abate, é grande. Ao chegarem à unidade, os bois são encaminhados a um curral climatizado. O caminho até o abatedouro é pensado de tal forma que os animais se sintam seguros. Para isso, mudam de posição algumas vezes, como se estivessem andando em um espiral. São apenas alguns segundos do momento em que suas cabeças são presas para receber o tiro da “pistola”, dispositivo de pressão que libera um projétil que o deixa inconsciente, até seu sangramento, quando, de fato, são abatidos. A partir daí, as carcaças entram em uma espécie de linha de desmanche, na qual tudo é aproveitado.

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