terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Crise da Doux afeta abates em Montenegro e Caxias

Patrícia Comunello
A crise de pagamentos entre produtores e prestadores de serviços e a Doux Frangosul bateu à porta de dois dos três frigoríficos da empresa no Estado. A unidade de frangos de Montenegro, a maior do segmento gaúcho, reduziu ontem um dos três turnos de trabalho. A planta de suínos de Ana Rech, em Caxias do Sul, ficou parada um dia da semana passada. Nos dois casos, a falta de produto impede a operação normal, segundo dirigentes de sindicatos de trabalhadores da indústria de alimentação nas duas regiões. O frigorífico de Passo Fundo não foi afetado. A empresa não se manifestou até o fechamento desta edição.

O Serviço de Inspeção Federal (SIP), ligado ao Ministério da Agricultura e que monitora a atividade nas duas plantas com foco na exportação, confirmou que ocorreu a supressão de um turno em Montenegro e que a unidade caxiense não efetuou abates em um dia da semana passada. O fato teria ocorrido pela segunda vez no mês. Nos dois episódios na Serra, transportadores de suínos suspenderam a entrega devido a atrasos de dois meses no pagamento. Na área de frangos, o enxugamento de turno tem relação com a menor oferta, diz Daniel Galvão Sodré Bilheri, diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Montenegro e região. O frigorífico é o maior empregador, com 1,6 mil dos 2,4 mil empregados no ramo na região.

"Ficaram dois turnos de segunda a sexta, reduzindo de 19 horas para 12 horas de atividade. Eles estão tirando férias normais e devem permanecer neste regime por 20 dias. É uma adequação à falta de matéria-prima", repassou Bilheri, a partir de informações do grupo. O sindicalista informa que a direção não atendeu aos pedidos de reunião para detalhar as medidas. "A empresa é muita fechada, mas os salários, mesmo com as dificuldades, nunca tiveram atraso. Apenas o FGTS deixou de ser recolhido, mas houve parcelamento. Nossa preocupação é grande", admite o dirigente do sindicato dos trabalhadores. A Doux eliminou o turno que se iniciava às 14h55min e se encerrava à 0h35min. O volume de abates estava em 450 mil frangos por dia. A operação ocorria de segunda a sábado e agora se limita aos dias da semana, segundo Bilheri. "Não sabemos se a produção reduzirá no mesmo nível, em um terço."

A planta de Montenegro sofre o efeito do boicote dos 1,5 mil integrados. Parte deles recusa novos lotes de pintos para alojamento desde metade de dezembro passado. A mobilização é liderada pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag-RS) e Associação dos Criadores de Suínos (Acsurs), que soma 700 suinocultores ligados ao grupo. A medida busca pressionar a Doux a reduzir débitos, que completam 140 dias. Repasses que eram esperados na semana passada, e prometidos pela empresa, não teriam sido cumpridos. A empresa informou que teve bloqueio de valores por bancos. Os produtores exigem que a empresa pague dois lotes para voltar a fazer a terminação.

Em Ana Rech, que ainda não registra queda na oferta, prestadores na área de transportes dos animais se rebelaram. Um dos contratados reclama parcelas de agosto, novembro e dezembro. "Paramos para ver se conseguimos algo. A dívida está cada vez maior. Tenho até medo", desabafa o prestador, que tem financiamentos de caminhões para pagar. "Prometeram pagar e não cumpriram. Avisamos que não íamos puxar (transportar). Nunca foi tão ruim como agora." A presidente do sindicato dos trabalhadores da alimentação, Arlete Beatriz Schmitz, opina que o temor é de que os salários dos cerca de 700 empregados possam ser afetados.

O transporte dos funcionários feito pela frota de José Ferreira de Matos poderá ser afetado. Matos tem faturas abertas desde metade de outubro. Seus motoristas estão sem receber. "Prometem pagar esta semana. Já estourou meu limite no banco e nem tributos consigo quitar. Só tem diesel nos ônibus porque o dono do posto me conhece há 30 anos", desespera-se o prestador, que não quer deixar a empresa na mão.

Superintendente do ministério critica posição de integrados

Ao interromper o nível de fornecimento da granja para o frigorífico, produtores de suínos e aves podem colocar em risco a sobrevivência da Doux Frangosul. O alerta é do superintendente do Ministério da Agricultura no Estado, Francisco Signor, que criticou a atitude. “Reduzindo o número de animais alojados, como a empresa vai pagar os integrados e manter a receita?”, questiona Signor. “Ruim com a Doux, pior sem”, avalia o superintendente, que aponta o volume diário de 1 milhão de frangos processados em duas plantas ao dia. Nos suínos, os abates ultrapassam 2,5 mil animais.

No ano passado, relatórios apontam que, apesar da instabilidade no fluxo de pagamentos aos 2,2 mil integrados nos dois segmentos, a operação industrial não foi afetada. A Doux, que é maior agroindústria de frangos em operação no Estado e tem outra unidade em Passo Fundo, processou 240 milhões de aves em 2011, 16% do 1,5 bilhão registrado pelo SIP. A média diária estava em 900 mil abates. Nos suínos, o frigorífico de Ana Rech somou processamento de 715 mil suínos, de um total de 6,7 milhões animais que foram abatidos nas plantas sob inspeção federal.

O executivo do órgão público diz que já fez alerta sobre o impacto da estratégia aos dirigentes das entidades, como Fetag-RS e Acsurs. Signor diz que os integrados não deveriam ter paralisado parte dos alojamentos. Para o superintendente, a empresa precisou eleger prioridades, como pagar a ração que é repassada aos plantéis. O representante do ministério não acredita que houve repasses ilegais de valores para a matriz, na França. Uma investigação foi pedida pelo governo estadual ao Ministério Público do RS (MP-RS), alegando indícios de irregularidades. Dificuldades de caixa teriam relação com limitação de crédito nos bancos, diz. Signor não ignora os problemas gerados ao caixa dos produtores e defende que sejam priorizados pagamentos àqueles cuja renda principal seja oriunda dos contratos com a Doux.

O presidente da Acsurs, Valdecir  Folador, reage e lembra que o “produtor não pode ser culpado”. “Se a situação chegou a este ponto foi culpa da empresa, que causou todo o transtorno, e não do produtor”, arrematou. Folador lembra que os produtores são os pilares da cadeia. Sérgio de Miranda, tesoureiro da Fetag-RS, discorda do superintendente e avisa que os integrados têm autonomia para decidir o que farão. “Eles tentaram as mais diferentes possibilidades de negociação e aguardaram calendários que não foram cumpridos. Quem vem há três anos sofrendo sabe dos riscos que a atual ação pode gerar”, responde Miranda.