quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Frigoríficos vivem fase de concentração radical


Frigoríficos pequenos reclamam de falta de apoio
Autor(es): Mauro Zanatta e Alda do Amaral Rocha, de Brasília e São Paulo
Valor Econômico - 04/08/2010

Um ano e meio e dez frigoríficos depois, um quadro de concentração ainda maior se desenha no setor de carne bovina. Especialistas preveem que no médio prazo - cerca de cinco anos - restarão apenas quatro empresas no setor. Num horizonte de mais de dez anos, estimam que sobrarão apenas duas ou três.

Boa parte da consolidação vista até agora foi feita com o apoio do BNDES, que injetou recursos em grandes empresas como JBS e Marfrig. A ação do banco provocou queixas entre as empresas de pequeno e médio portes, que se sentem preteridas diante de um pequeno grupo de escolhidos.
Desde o primeiro trimestre do ano passado até agora, dez empresas de carne bovina pediram recuperação judicial ou deixaram de operar, arrendando unidades para outros frigoríficos ou suspendendo os abates de gado.

Arrastados pela crise financeira global de 2008 por falta de capital de giro e exposição à variação cambial, boa parte dos pequenos e médios frigoríficos reclama da falta de auxílio do governo e da política de "vencedores e perdedores" empreendida pelo BNDES no setor.
Mas os bancos que operam no segmento afirmam haver uma "clara tendência" de concentração. Alguns agentes até estimulam indústrias médias a vender o negócio antes de perder mais eficiência em cenário amplamente desfavorável a empresas sem capital e atuação cada vez mais global.
Considerando-se "preteridos" durante a operação de socorro ao setor, os frigoríficos afirmam ser obrigados a trabalhar alavancados em recursos de terceiros, além de ter margens apertadas e capacidade ociosa alta.
"Percebemos mais facilidades para uns grupos e menos para outros", diz o dono do Frialto, Tadeu Paulo Bellincanta. "Não houve boa vontade de operar conosco. Ficou patente a opção pela concentração". O Frialto, que deve R$ 564 milhões, mas faturava R$ 1,3 bilhão, pediu recuperação judicial em maio deste ano. Quatro de suas seis plantas estão paradas por falta de capital de giro. "Mas nosso patrimônio é maior que a dívida. Foi um "tropicão". Vamos sair dessa", diz Bellincanta.
O advogado Júlio Mandel, que representa o paulista Frigol, diz que a empresa pediu recuperação porque vinha enfrentando problemas de liquidez. "Eles tentaram recursos com o BNDES e com o Banco do Brasil, mas as propostas não foram aprovadas". A empresa tem unidades em Lençóis Paulista (SP), Água Azul do Norte (PA) e Pimenta Bueno (RO), e opera parcialmente. A dívida do Frigol, que fatura R$ 750 milhões, está na casa dos R$ 160 milhões.
Em março de 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou uma ajuda aos frigoríficos. Não queria que as indústrias do setor repetissem o drama da multinacional Parmalat, cuja quebra provocou desarranjo no setor lácteo, prejudicando pequenos produtores. Uma linha de R$ 10 bilhões foi criada para garantir capital de giro em um momento de retração de crédito e forte aversão a riscos.
Mas os frigoríficos médios ficaram de fora dos benefícios. Seja porque o custo do crédito era muito elevado (11,25% ao ano) ou porque as exigências de garantias reais estavam acima da capacidade do segmento. "O governo não tem uma política de apoio a esse segmento", aponta o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar. "O auxílio que chegou não pôde ser acessado".
No governo, avalia-se como correta a política do BNDES. Muitos desses frigoríficos médios têm gestão antiga, instalações velhas e são bastante endividados, apontam fontes. Como o setor exige muito capital, escala, logística e gestão profissional, algumas empresas estariam "fragilizadas" para receber novos aportes.
Para essas fontes, a fusão da Perdigão e Sadia na Brasil Foods pode gerar novos negócios. "Um frigorífico de nicho pode surgir de mercados onde a BRF deixará de atuar", avalia um executivo. A americana Tyson Foods, única estrangeira grande no Brasil, também poderia ser beneficiada nesse novo momento do setor, pós-julgamento da fusão pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O cenário ainda é nebuloso no setor e alguns analistas avaliam que mais frigoríficos de porte médio podem pedir recuperação judicial. Uma das razões é que enfrentam forte concorrência na compra da escassa matéria-prima e na venda da carne.
Para algumas empresas, a situação começa a se normalizar. "Fomos lá no BNDES durante a crise, mas disseram que já tinham dado muito dinheiro para frigoríficos", relembra o diretor de Controladoria do FrigoEstrela, Rubens Andrade Ribeiro Filho. O frigorífico, que deve R$ 188,4 milhões, está em recuperação desde novembro de 2008. Dos três mil funcionários, sobrou metade. "Mas já voltamos a 2,2 mil. Agora, o faturamento ainda é 70% de antes da crise", diz.