segunda-feira, 21 de junho de 2010

A JOGADA GLOBAL DO MARFRIG

O frigorífico brasileiro compra o grupo americano Keystone Foods, se torna fornecedor mundial do McDonald's e expõe sua marca Seara na Copa do Mundo. Conheça a estratégia da companhia para marcar presença em todo o planeta
Mais de 50 mil torcedores esperavam ansiosamente a entrada da Seleção Brasileira para a estreia contra a equipe da Coreia do Norte, no estádio Ellis Park, em Johannesburgo, quando Neymar, Robinho e Paulo Ganso surgiram. Não, infelizmente, os meninos da Vila Belmiro não haviam sido convocados de última hora para a alegria da torcida brasileira. Eles apareceram – e continuarão aparecendo – nos telões das arenas esportivas da Copa porque são garotos-propaganda da Seara, a empresa de alimentos do grupo Marfrig, uma das patrocinadoras oficiais da Fifa.
A Seara na copa: a empresa do Marfrig investiu US$ 100 milhões nos Mundiais de 2010 e 2014
Naquele exato momento, Marcos Molina, 40 anos, o maior acionista e comandante do Marfrig se encontrava em seu escritório, no bairro da Vila Olímpia, em São Paulo, em frente à tevê, almoçando um hambúrguer do McDonald’s. Sorria por dois motivos: observava a sua marca Seara exposta mundialmente para mais de 3 bilhões de pessoas e vibrava porque na noite do dia anterior havia se tornado o fornecedor global do McDonald’s, da Subway e de outras consagradas redes de fast-food.
É que o Marfrig, dono de uma receita de R$ 10,28 bilhões em 2009, tinha acabado de comprar por US$ 1,26 bilhão o frigorífico americano Keystone Foods, gigante que atende 28 mil restaurantes e fatura US$ 6,4 bilhões. Em uma só jogada, Molina tornou-se um dos reis da carne no mundo, fazendo com que o faturamento de sua empresa saltasse para cerca de R$ 28 bilhões. Detalhe: em 2007, apenas três anos atrás, o Marfrig faturou R$ 3,1 bilhões. “Com esse negócio, aumentamos a nossa presença nos Estados Unidos e na Ásia”, diz Ricardo Florence, diretor de relações com investidores e planejamento do Marfrig.
Enquanto as imagens da Seara eram exibidas na copa, Marcos Molina, que fechou o
patrocínio com Ricardo Teixeira, da CBF, negociava a compra do fornecedor do Big Mac.
Nos últimos três anos, a companhia expandiu sua atuação comprando 38 empresas, uma média de uma por mês. Dessa forma agressiva, conseguiu se tornar uma das maiores do setor de alimentação no Brasil e no mundo. Por aqui, em termos de faturamento, passou a BR Foods, fruto da união entre Sadia e Perdigão, e só perde para o JBS-Friboi, cujas receitas são estimadas em R$ 60 bilhões.
Nesse caso, entretanto, a comparação é diferente. Enquanto o JBS é o maior abatedouro do mundo, o Marfrig caminha para vender produtos de maior valor agregado no varejo se assemelhando mais ao modelo de negócios da Brasil Foods. “Da mesma forma que multinacionais como Volkswagen e Unilever saíram de seus países de origem para entrar no Brasil lá atrás, hoje as companhias brasileiras estão fazendo o movimento inverso”, diz ele. A estratégia vai além.
Ao adquirir uma empresa estrangeira, o Marfrig consegue se desvencilhar de barreiras tarifárias e sanitárias que existem contra a carne brasileira. “Vamos aumentar o nosso negócio no Exterior usando a plataforma global do Keystone”, diz Florence, do Marfrig. Neste caso, o principal ganho será na ampla rede de distribuição da empresa americana. O Keystone distribui em lugares onde o Marfrig ainda tem uma atuação discreta como a Ásia e o Oriente Médio.
Fontes do mercado estimam que as sinergias entre as duas empresas possam gerar uma economia de US$ 100 milhões até 2012. Mas analistas de mercado ainda têm dúvidas quanto à eficiência da operação. A agência de avaliação de riscos de crédito Standard & Poors soou o sinal de alerta e pôs o rating da empresa em CreditWatch Negativo.
Isso quer dizer que uma nova avaliação será feita para saber, de fato, os reais efeitos do negócio. Apesar de o Marfrig anunciar que não se endividará para comprar o Keystone e que fará uma emissão de debêntures conversíveis em ações, o mercado está observando cada passo com muita cautela.
Na segunda-feira 14, antes do anúncio, a ação do Marfrig era negociada por R$ 16,80. Na quarta-feira 16, dois pregões depois, os papéis eram cotados a R$ 16,20, numa queda de 3,6%. Ao que se deve tanta precaução? O Marfrig é muito alavancado. “Nossa dívida no primeiro trimestre foi de 3,98 vezes o faturamento”, diz Florence. “Se o Keystone já tivesse sido incorporado antes do primeiro trimestre, essa relação cairia para 3,07 vezes. Vamos reduzir o nosso endividamento crescendo.” E a atuação no mercado de food service é vital para isso.
O Marfrig já é fornecedor do McDonald’s no Brasil e, só no ano passado, vendeu 20 mil toneladas de carne bovina para o grupo. A extensão do fornecimento de carne para os outros restaurantes da rede de fast-food ao redor do mundo, portanto, não será traumática.  “As vantagens da operação são a otimização e a melhor integração da rede de distribuição para nossos restaurantes ao redor do mundo”, diz o McDonald’s por meio de sua assessoria de imprensa.
O Marfrig também enxerga a operação internacional e essa integração como a chance de ganhar mais mercado. Afinal, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), no primeiro trimestre de 2010 as exportações aumentaram 34% em relação ao mesmo período do ano passado e a tendência é subir cada vez mais.
“O Brasil é peça-chave no setor. Há um déficit entre produção e consumo na Europa e em outros países”, diz Otávio Cançado, diretor da Abiec. E isso já se reflete no faturamento do Marfrig. Da receita líquida de R$ 3,2 bilhões obtida no primeiro trimestre do ano, R$ 1,7 bilhão corresponde a vendas no mercado interno e outros R$ 1,4 bilhão de exportações. Molina, o homem por trás do Marfrig, aliás, está se movendo no campo de jogo global de modo a estar em todos os mercados, e tem feito um grande esforço de marketing para desenvolver a sua principal marca: a Seara.
Desde que o Marfrig comprou a empresa da americana Cargill, em setembro de 2009, por US$ 900 milhões, o frigorífico tem investido muito dinheiro para transformar a marca facilmente reconhecida em qualquer lugar do planeta. O grande passo nesse sentido foi se tornar patrocinador oficial da Fifa nas Copas de 2010 e 2014.
Estima-se que a empresa tenha desembolsado US$ 100 milhões para aparecer em todos os jogos do torneio. Além disso, também se tornou patrocinadora oficial da Seleção Brasileira e apostou no time do Santos. Tudo no Marfrig é superlativo. São 151 plantas industriais em 22 países espalhados pelos cinco continentes, exporta para 100 países e possui 86 mil funcionários. O curioso é que a empresa tem apenas dez anos de vida. 
Fundado em 2000, o Marfrig se converteu em uma potência mundial em virtude do estilo de Marcos Molina (leia quadro ao lado). No pequeno açougue de seu pai, em Mogi-Guaçu, interior de São Paulo, Molina aprendeu todas as artimanhas do negócio e a entender o que os clientes buscavam.
Quando tinha 16 anos, pediu para que seu pai o emancipasse para criar seu próprio negócio: uma distribuidora de carnes. Não parou mais. Arrendou o seu primeiro frigorífico em Bataguassu, em Mato Grosso do Sul, e daí em diante criou um império. “Ele é um empreendedor muito jovem e bem agressivo nos negócios”, diz Pratini de Moraes. Mais do que isso, até hoje ele liga para seus clientes para saber se precisam de algum tipo de corte especial – o que frequentemente faz com Arri Coser, o dono da rede de churrascarias Fogo de Chão.
Molina também se antecipou às necessidades do mercado quando decidiu proibir a compra de carnes de gado criados na Região Amazônica. Com isso, agradou redes como o Walmart e o McDonald’s, muito ligadas nas questões de sustentabilidade. “Ele é um empresário cercado de excelentes profissionais, que entendem do negócio”, diz Gustavo Aguiar, da Scot Consultoria.
Seus principais conselheiros são Márcio Cypriano, ex-presidente do Bradesco, Antonio Maciel Neto, presidente da Suzano, e Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central. Molina ainda conta com boas relações governamentais. Basta ver que o BNDESPar é o segundo maior acionista da empresa com 14% das ações.
Molina, dono de um sotaque caipira carregadíssimo, não fala inglês, mas percorre o mundo inteiro a bordo de seu jato Hawker 800 de prefixo MMS (iniciais de seu nome Marcos Molina dos Santos). O avião é usado em viagens de negócios quando ele visita suas fábricas em vários continentes.
Mas, no próximo dia 24, ele aterrissará na África do Sul. Molina levará uma seleção de 11 pecuaristas, que mantêm boas práticas ambientais, para a Copa. E, desta vez, verá a Seleção ao vivo e poderá acompanhar a sua marca Seara ao lado de gigantes mundiais como McDonald’s, Hyundai e Budweiser. Para quem carregava carne nos ombros, até que ele chegou bem longe.
O homem por trás da Marfrig
A trajetória e as peculiaridades de Marcos Molina
O começo da carreira: aos 12 anos, ele começou a trabalhar no pequeno açougue do pai, em Mogi-Guaçu, no interior de São Paulo, como uma espécie de faz-tudo. Carregava carne nos ombros, atendia os clientes no balcão e, de vez em quando, ficava no caixa. Aos 16, depois de ser emancipado, Molina abriu uma empresa para atender o comércio local e entregar carnes em churrascarias. Em 2000, aos 30 anos, fundou o Marfrig.
Ascensão meteórica: de lá para cá, em apenas dez anos, a empresa saiu do zero para um faturamento estimado em R$ 28 bilhões. A abertura de capital aconteceu em 2007 e, desde então, o Marfrig comprou uma empresa por mês num total de 38 aquisições. Sem falar uma única palavra de inglês, Molina transformou o Marfrig em uma das empresas mais globalizadas do mundo. Agora a companhia possui 151 plantas em 22 países.
Visão empreendedora: vendedor nato, Molina é do tipo que liga para seus clientes para saber se eles estão satisfeitos e também faz questão de pesquisar e desenvolver cortes especiais para cada um. Além disso, foi o primeiro a proibir a compra de qualquer gado que venha das regiões da Amazônia. Com isso, se antecipou à necessidade de grandes cadeias como Walmart e McDonald’s, que pediam esse tipo de política.